Esclerose Sistêmica (ES)

VISÃO GERAL

 

Sobre a ES

A esclerose sistêmica (ES) é uma doença heterogênea e rara do tecido conectivo, que afeta pele, vasos sanguíneos, coração, pulmões, rins, trato gastrointestinal e o sistema musculoesquelético[1,2]. É mais comum em mulheres, com diagnóstico em geral entre os 30 e 50 anos de idade[3,4].

Patogênese da Esclerose Sistêmica

A patogênese da esclerose sistêmica envolve interações complexas de 3 componentes principais:

- Disfunção imune
- Vasculopatia
- Fibrose

Estas interações ocorrem em todos os pacientes com ES e são a base dos danos cutâneos e de órgãos que definem a doença[5-7].

Classificação da Esclerose Sistêmica

A Esclerose Sistêmica é classificada em 3 subtipos: cutânea limitada, cutânea difusa e sine escleroderma. Esses subtipos são definidos pela extensão e padrão do envolvimento cutâneo, e são associados à manifestações clínicas, laboratoriais, e a histórias naturais distintas[5]. Mais recentemente, as formas precoce e muito precoce também foram propostas, permitindo um diagnóstico precoce desta grave doença[8]. A ES cutânea difusa apresenta início do fenômeno de Raynaud de cerca de 1 ano, envolvimento cutâneo com tendência à rápida progressão, afetando tronco, face e membros até sua porção proximal, e comprometimento precoce de órgãos[8].

A ES cutânea limitada tem tipicamente uma história de anos de fenômeno de Raynaud, envolvimento cutâneo mais lento e nos membros restrito à distalmente aos cotovelos e joelhos, podendo incluir face ou estar ausente. O aparecimento de manifestações de órgãos ocorre mais tardiamente[8].

A ES sine escleroderma é pouco frequente e envolve a presença de manifestações de órgãos sem o acometimento cutâneo. É caracterizada pela presença de fenômeno de Raynaud associado à positividade do fator antinuclear (FAN) e à ocorrência de um acometimento de órgão específico da ES, como a hipomotilidade esofágica distal, a hipomotilidade do intestino delgado, a fibrose intersticial pulmonar, a hipertensão pulmonar primária, a miocardiosclerose e a crise renal esclerodérmica[8].

DIAGNÓSTICO

Incidência e prevalência da ES

A prevalência estimada da ES é entre 30 a 300 pacientes por milhão de pessoas adultas[8]. No Brasil, o único estudo de prevalência e incidência disponível até o momento foi realizado na cidade de Campo Grande, e demonstrou uma taxa de prevalência estimada de 105,6 por milhão/habitantes, e de incidência em 2014 de 11,9 por milhão/habitantes[9].

Este estudo mostrou a seguinte distribuição entre as formas clínicas da doença[9]:

-Limitada: 42,7%
-Difusa 27,0%
-Overlap 19,1%
-Sine escleroderma 6,7%
-Precoce 4,5%

Sintomas

Apesar das manifestações cutâneas serem a principal característica da doença, a Esclerose Sistêmica pode acometer diversos órgãos, de forma heterogênea entre os pacientes.[1,10]

As principais manifestações são:

  • Manifestações cutâneas: endurecimento da pele, dedos edemaciados (puff fingers), esclerodactilia, hiperpigmentação, pele em sal e pimenta e seca, calcinose (em geral nas pontas dos dedos).[11-13]

  • Alterações faciais: afilamento do nariz, aumento dos sulcos, lábios finos e retraídos, com dificuldade para abrir a boca.[11-13]

  • Manifestações vasculares: úlceras digitais, que podem evoluir para necrose e apresentar infecções secundárias como osteomielite,[12-15] telangectasias (principalmente em face, lábios e palmas das mãos)[11-13] e fenômeno de Raynaud. [11-13,16] O fenômeno de Raynaud pode ocorrer anos antes das outras manifestações, e está presente em pelo menos 90% dos pacientes.[11-13,16]

  • Manifestações pulmonares: doença pulmonar intersticial e hipertensão pulmonar (secundária a fibrose pulmonar ou por alterações vasculares). Os principais sintomas são tosse e dispneia, e em geral ocorrem em doença avançada.[11,13,14,16,17] Mais informações sobre a doença pulmonar intersticial associada à esclerose sistêmica podem ser encontradas em seção específica.

Manifestações gastrointestinais: presentes em mais de 60% dos pacientes, é uma das mais precoces. Pode se caracterizer por refluxo gastroesofágico e seus sintomas, dificuldade de deglutição, redução de peristalse, nauseas, vômitos.[12-14,16]

Manifestações cardíacas: muitos pacientes não apresentam sintomas. Pode ocorrer espessamento das camadas musculares cardíacas, com consequente insuficiência cardíaca e arritmias.[13,14,16]

Manifestação renal: anteriormente a causa mais comum de morte, caracteriza-se por redução do fluxo sanguineo, gerando hipertensão, que pode tornar-se maligna, a crise renal esclerodérmica, uma das afecções mais temidas. Após a introdução de inibidores da enzima conversora de angiotensina no arsenal terapêutico, a crise renal deixou de ser a principal causa de morte relacionada a esclerose sistêmica, sendo substituída pela fibrose pulmonar.[13,16,18]

Manifestações musculoesqueléticas: dores articulares e redução da motilidade, que podem ocorrer em qualquer articulação.[13,16]

Diagnóstico

Existem vários critérios diagnósticos para Esclerose Sistêmica. Os primeiros critérios validados datam de 1980, e foram propostos pela American College of Rheumatology (na época denominada American Rheumatism Association). O diagnóstico é estabelecido na presença do critério maior ou dois ou mais dos critérios menores:[1,8]

- Critério maior: esclerodermia proximal (fibrose simétrica da pele proximal às metacarpofalangeanas ou metatarsofalangeanas).
- Critérios menores: esclerodactilia; ulcerações de polpas digitais ou reabsorção de falanges distais, como resultado de isquemia; fibrose nas bases pulmonares, presente na radiografia de tórax.

Em 1988, LeRoy et al propuseram novos critérios diagnósticos, que incluíram características clínicas, auto-anticorpos e capilaroscopia, iniciando a base para a classificação entre as duas principais formas clínicas da doença. Em 2001, o mesmo grupo propôs uma atualização desses critérios, incluindo a esclerodermia precoce, detectada através de alterações na capilaroscopia e da presença de auto anticorpos específicos para Esclerose Sistêmica. Resumo dos critérios propostos por LeRoy et al, incluindo a atualização, podem ser visualizados na Tabela 1.[1,8]

critérios diagnósticos propostos LeRoy

 

Em 2013, um comitê foi estabelecido pela American College of Rheumatology (ACR) e pela European League Against Rheumatism (EULAR) para uma porposta conjunta para os novos critérios de classificação para Esclerose Sistêmica (Tabela 2). Esses critérios facilitaram a inclusão de pacientes com a doença em estudos clínicos de forma mais sensível e específica.[1]

critérios ACR-EULAR classificação para da Esclerose Sistêmica

 

Ao receberem o diagnóstico de Esclerose Sistêmica, todos os pacientes devem realizar uma tomografia computadorizada de tórax de alta resolução para investigação da doença pulmonar intersticial associada.[19]

TRATAMENTO

O tratamento da Esclerose Sistêmica é baseado em estratégias órgão-específicas.[8]
Assim, as recomendações, de acordo com as manifestações clínicas, são:

  • Espessamento cutâneo: o tratamento preferencial é com metotrexato.[1,8]

  • Fenômeno de Raynaud: os bloqueadores dos canais de cálcio são a primeira escolha de tratamento.[1,8] Inibidores da 5-fosfodiesterase reduzem a frequência e a gravidade dos ataques.[1] Iloprosta endovenosa pode ser considerada nos casos mais graves.[1,8] Úlceras digitais: iloprosta endovenosa e inibidores da 5- fosfodiesterase devem ser considerados para o tratamento, e a bosentana para redução no número de novas úlceras digitais.[1,8]

  • Manifestações gastrointestinais: para o tratamento do refluxo gastroesofágico e prevenção de úlceras, inibidores da bomba de prótons são recomendados.[1,8] Cirurgia pode ser instituída nos casos refratários.[8] Para melhora da dismotilidade, agentes pró-cinéticos são indicados.[1,8] O uso intermitente ou rotacional de antibióticos é utilizado para manejo de supercrescimento bacteriano intestinal.[1,8]

  • Manifestações pulmonares: podem ser utilizados os inibidores da 5-fosfodiesterase, a bosenta e os análogos da prostaciclina.[1,8] Para o manejo da DPI, consulte a seção específica.

  • Manifestações cardíacas: bloqueadores de canal de cálcio, inibidores d a enzima conversora de angiotensina, amiodarona, carvedilol e revascularização do miocárdio[8] Crise renal esclerodérmica: os inibidores da enzima conversora de angiotensina são o tratamento de escolha. Nos pacientes em uso de corticoides, pressão arterial e função renal devem ser monitoradas cautelosamente, pelo aumento do risco de crise renal.[1]

Referências
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